Kelly é a mascote do Centro Escolar de Barqueiros e tem ajudado a acalmar os alunos
Programa EducaCÃO colocará cães sem dono, treinados, noutras escolas do concelho de Barcelos, depois da boa experiência do projeto-piloto.
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Na pequena freguesia de Barqueiros, em Barcelos, uma cadela de olhar doce e presença serena transformou o ambiente escolar de uma comunidade inteira. Kelly, uma cadela abandonada, tornou-se protagonista de um projeto-piloto inovador que combina educação, bem-estar animal e desenvolvimento emocional dos alunos. A experiência inspirou o alargamento do programa EducaCÃO a todo o concelho e, no próximo ano letivo, haverá mais escolas públicas a adotar cães sem dono.
Promovido pelo Município barcelense, este programa visa integrar cães treinados no quotidiano das escolas públicas dos 1.°, 2.° e 3.° ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário. A primeira experiência decorreu no Centro Escolar de Barqueiros, onde Kelly se tornou o centro das atenções e de todos os cuidados de alunos, de professores e de auxiliares, com direito a muita meiguice.
“A Kelly era uma cadela abandonada, com traços meigos e uma personalidade calma. Percebi que tinha o perfil ideal para este tipo de trabalho, mas tive receio. Será que ia ser feliz na escola?”, recorda Alice Silva, auxiliar do centro escolar e tutora da cadela. “Hoje, vejo que sim. Ela sente que tem uma função. De manhã, nem é preciso chamá-la: já está à porta, pronta para vir”. Diariamente, a cadela acompanha Alice entre a casa e a escola. A ligação entre ambas tornou-se essencial para o equilíbrio do projeto. “Claro que dá trabalho. É preciso mantê-la asseada, estar atenta aos sinais de cansaço ou desconforto, mas faço com gosto”, explica a tutora, que reconhece o impacto positivo da presença da Kelly nas rotinas escolares de Barqueiros.
Mais concentrados
Vítor Pinto, coordenador do centro escolar e também tutor da Kelly, destaca o impacto positivo da presença da cadela nos estudantes com dificuldades de comportamento e de aprendizagem. “Temos um projeto de cinoterapia a decorrer com oito alunos e verificámos melhorias na concentração e no controlo emocional. A Kelly interage com as crianças em momentos-chave, especialmente quando estão mais agitadas ou desmotivadas”, revela. “As crianças adoram-na. Ela ajuda a acalmá-las, a desenvolver empatia e responsabilidade. Não são todos obrigados a gostar de animais, mas a Kelly tem conquistado até os mais céticos”.
Segundo o coordenador da primária, houve inicialmente muitas dúvidas: “Como funcionaria ter um cão na escola? Estaria solto? Era seguro? E os pais, aceitariam?”. A resposta foi dada com evidência científica e resultados práticos. “Explicámos tudo e os benefícios tornaram-se evidentes. Hoje, temos crianças que tinham medo de cães e que, agora, não largam a cadela”, conta.
A entrada oficial de Kelly na escola, após um período de adaptação, deu-se a 2 de fevereiro deste ano. Desde então, tornou-se habitual vê-la a circular livremente pelos corredores e a participar nos chamados “Momentos Kelly” – rodas de conversa e atividades lúdicas em que a cadela está no centro da interação.
“Ainda há trabalho a fazer”, admite Vítor Pinto. “Queremos evoluir para atividades estruturadas, como leitura assistida ou apoio emocional sistematizado. À tarde, por exemplo, sentimos que a sua presença tem um efeito calmante nas crianças. O desafio é levar este trabalho para dentro das salas de aula com uma planificação pedagógica”.
Além das melhorias comportamentais e emocionais observadas, o projeto despertou novas atitudes entre os alunos: “Respeitam mais os animais, ajudam a cuidar da Kelly, querem aprender sobre alimentação e higiene. Muitos pais já demonstraram interesse em adotar” um cão, assinala Vítor Pinto, orgulhoso.
Vêm do canil municipal
A experiência “muito positiva” de Kelly em Barqueiros levará o Município de Barcelos a expandir o programa EducaCÃO a outras escolas no próximo ano letivo.
O modelo prevê que os animais sejam selecionados no canil municipal, com cuidados de saúde assegurados, com treino específico para ambiente escolar e com acompanhamento veterinário. Cada escola deverá garantir condições físicas e nomear tutores responsáveis pelo bem-estar do animal e pela sua integração nas rotinas escolares. A Câmara de Barcelos ressalva que os principais objetivos do programa são promover o bem-estar emocional, social e cognitivo dos estudantes, estimular a inclusão e o respeito pelos animais e fomentar a adoção responsável.
Quatro escolas interessadas
Com o alargamento do EducaCÃO ao concelho, a autarquia barcelense quer dar um passo ambicioso: criar escolas mais humanas e emocionalmente inteligentes, onde o afeto por um cão possa abrir espaço para a aprendizagem, o respeito e a empatia. “Já temos uma escola que manifestou formalmente interesse [em aderir ao programa] e outras três que o fizeram de forma informal”, confirma a Câmara. Para os contextos urbanos, como escolas secundárias onde os portões permanecem abertos, estão a ser pensadas soluções específicas.